Práticas emancipadoras: O fazer, o comer e o sentir

Em um mundo onde até mexerica vem descascada e porcionada em uma bandeja de isopor, há que se considerar discutir e construir novos olhares sobre nossas práticas alimentares e os significados do comer. 

Emancipação, na semântica, é libertação, independência. Trazendo esse conceito para a alimentação, vários caminhos surgem para no final, convergir em um só ponto - o eu! Cada prática alimentar fala com o íntimo dos seres, e por isso vamos falar sobre o sentir, como parte do processo. O que pode ser considerado uma prática alimentar emancipadora hoje, em tempos remotos seria algo natural - o semear, cuidar, colher e os ritos de comensalidade em torno da comida eram processos cotidianos que faziam parte do viver. Hoje emancipar-se de todo o sistema alimentar "moderno" requer mudança de vida, de princípios, de valores e crenças - é como se almejássemos a vida de nossos antepassados. 

O fazer, dentro da alimentação hoje, compete com diversos aspectos da nossa vida, em busca de tempo. Não tem como falar de práticas emancipadoras sem citar o tempo e os valores de vida que cada um traz - quanto mais valor atribuímos à alimentação, mais tempo destinaremos para tal atividade. O fazer dentro do comer, perpassa então, por esses espaços de valores simbólicos que podem ser exemplificados na seguinte situação:

" Maria cresceu comendo cuca caseira feita pela avó. Ao servir o chá com a cuca, a avó lhe contava histórias e aqueles momentos eram especiais. Com o passar do tempo, Maria até experimentou cucas prontas de supermercados, mas ao saboreá-las percebeu que não eram como as da avó. Diante disso, a moça pediu a receita da avó e passou a fazer sua própria cuca. Atualmente, mesmo com a correria do trabalho, Maria faz questão de preparar a receita da avó e nesse processo, convida o filho à cozinha, para que ele participe e aprenda a fazer o quitute".

A situação exemplificada acima nos mostra que o fazer, o comer e o sentir andam sempre juntos. Toda ação na alimentação traz consigo sentimentos, sejam eles de nostalgia, alegria, prazer e até culpa e tristeza. É nesse sentido que as práticas emancipadoras emergem - é um novo olhar, uma libertação dos modos contemporâneos de pensar o comer. 

Precisamos sentir para comer. E também comer e sentir. O fazer seja talvez o elo que une e fortifica essas duas outras coisas - quanto mais eu faço, quanto mais eu participo e me envolvo com o alimento, com a cozinha, maiores são as chances de eu sentir prazer e satisfação com a comida. Maiores são as chances de eu valorizar aquilo que me alimenta. 

Práticas emancipatórias simples como ir ao mercado e feiras escolher seus alimentos, ter uma pequena horta em casa, se informar sobre pequenos produtores locais, ir para a cozinha preparar uma refeição e sentar à mesa com a família em um almoço são atitudes poderosas que nos aproximam do comer visceral, o comer cheio de experiências e sentimentos. 

Só recusando a mexerica cortada e sentindo a experiência de buscá-la no pé é que o comer transforma-se para além de um ato fisiológico e configura-se como parte do nosso eu.



Comentários

Postagens mais visitadas